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Para Além da Crise: Meu Papel como Terapeuta Ocupacional em um Hospital Psiquiátrico

A palavra "hospital psiquiátrico" ainda carrega um peso, um estigma que remete a imagens antigas de isolamento e silêncio. Felizmente, a realidade da saúde mental hoje é outra. É um campo de atuação multiprofissional, onde psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e, claro, terapeutas ocupacionais, trabalham em conjunto.


Dentro dessa equipe, surge a pergunta: se a medicação ajuda a estabilizar a crise química e a psicoterapia ajuda a elaborar as dores através da fala, qual é o espaço do Terapeuta Ocupacional (T.O.)?

Minha resposta é: meu espaço é o cotidiano. Meu consultório é a cozinha, o jardim, a sala de artes, a vida real. Eu entro em cena quando a questão se torna: "Ok, e agora? Como eu retomo o fio da minha própria vida?". Meu trabalho é usar o fazer — as ocupações humanas — como a principal ferramenta para reconstruir a identidade, a autonomia e a esperança.

Veja como essa atuação acontece na prática dentro do hospital:

1. O Ponto de Partida: A Ocupação como Vínculo e Avaliação 🌱

Muitas vezes, uma pessoa em crise aguda não consegue ou não quer falar. A angústia é tão avassaladora que as palavras não dão conta. Nesses casos, meu primeiro contato não é com uma pergunta, mas com um convite: "Vamos regar as plantas comigo?" ou "Que tal montarmos esse quebra-cabeça?".

Essa atividade simples e não-ameaçadora tem um duplo objetivo:

  • Construir o vínculo: O fazer junto cria uma conexão segura, mostrando que estou ali para apoiar, não para pressionar.

  • Avaliar na prática: Enquanto montamos o quebra-cabeça, eu observo: como está a concentração? E a tolerância à frustração? A pessoa consegue iniciar e finalizar uma tarefa? Essas observações são riquíssimas e me dão um panorama funcional que nenhuma conversa inicial poderia fornecer.

2. Reconstruindo a Rotina: Os Grupos Terapêuticos 🗓️

A maior parte do meu trabalho se dá em grupos. A crise psíqurica desestrutura completamente a rotina diária (sono, higiene, alimentação). Os grupos são o principal laboratório para reorganizar esse caos.

  • Grupo de Culinária e AVDs (Atividades de Vida Diária): Este é um clássico da T.O. e seu poder é imenso. Fazer um bolo não é só sobre o bolo. É sobre planejar, seguir etapas, dividir tarefas, esperar o tempo do forno (trabalhando a ansiedade) e, no fim, partilhar o resultado. É a vida real em microcosmo.

  • Grupo de Expressão Criativa 🎨: Quando as palavras não saem, a arte pode ser a voz. Usamos pintura, argila, colagem e música não com o objetivo de criar uma obra-prima, mas de dar forma aos sentimentos. A raiva, o medo e a tristeza podem ser externalizados em um papel, trazendo um alívio imenso.

  • Grupo de Gestão de Rotina: De forma bem prática, usamos calendários, agendas e quadros para ajudar os pacientes a planejar seu primeiro dia e sua primeira semana após a alta. Essa estruturação mínima é um fator de proteção poderoso contra recaídas.

3. O Foco no Indivíduo: Atendimentos Personalizados

Alguns pacientes precisam de uma atenção mais individualizada. Seja porque estão muito retraídos para participar de um grupo, seja porque têm demandas muito específicas. Nesses atendimentos, podemos trabalhar:

  • Treino de habilidades sociais: Simulando uma conversa ou uma entrevista de emprego.

  • Criação de um "Kit de Crise": Montando uma caixa com objetos sensoriais (texturas, cheiros, sons) que a pessoa possa usar para se autorregular quando sentir a ansiedade aumentar.

  • Adaptação de tarefas: Lidando com os efeitos colaterais de medicações que podem causar tremores ou lentidão, adaptando atividades para que a pessoa continue funcional.

4. A Ponte para o Mundo Real: O Planejamento da Alta 🤝

Este é, talvez, o meu papel mais crucial. Um paciente pode estar ótimo no ambiente protegido e estruturado do hospital, mas o verdadeiro desafio é a volta para casa. Meu trabalho é construir uma ponte sólida para essa transição.

Isso envolve:

  • Identificar e fortalecer a rede de apoio: Quem irá ajudar essa pessoa lá fora?

  • Conectar com os serviços do território: Fazer a ponte com o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de referência, que dará continuidade ao tratamento na comunidade.

  • Planejar uma rotina pós-alta: O que fazer na segunda-feira de manhã? A falta de estrutura é um gatilho perigoso. Ter um plano mínimo de ocupações é fundamental.

Em resumo, meu papel no hospital psiquiátrico é ser a especialista do cotidiano. Sou quem lembra ao paciente que, para além do seu diagnóstico, ele é uma pessoa que pode sentir prazer ao cuidar de um jardim, que pode sentir orgulho ao cozinhar uma refeição e que tem a capacidade de reconstruir, dia após dia, uma rotina com significado e propósito.

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